quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Obituários


Todo dia a mesma situação. Mentira, têm dias que algo nos cutuca cedo e aí sabemos que quer se evadir. Noutros dias, quando chega a hora, é sempre um momento de tensão. Nas redações dos veículos de comunicação finalizar uma edição é o momento crucial diário. Qual vai ser a manchete principal, o que será que nossos concorrentes vão manchetar, o que vai despertar mais interesse do público leitor... São algumas das questões que passam pela cabeça aflita do editor. Por conta dessa dolorosa realidade, de ter que direcionar suas decisões a aspectos comerciais e à concorrência, ser editor é sofrer.

Ou não. Ele pode simplesmente ligar o piloto automático... Acontecimentos fortuitos, de última hora, podem desencadear um deus nos acuda e a finalização da edição pode sofrer uma reviravolta. É mais ou menos como em alguns setores, onde determinada palavra não se fala; ou nem se pensa em usar determinada cor na estreia e qualquer coisa pode ser uma premonição de que vai dar errado. Quando alguma personalidade famosa está por um fio pra sair fora deste mundo. Sobreaviso é a palavra da hora.


Mas, nessa conversa de morte, nem precisa se chegar à comunicação. Na intimidade, em nossos mundinhos particulares, já vivenciamos isso. Morrer é tabu. A sociedade, pelo menos a ocidental, ainda está longe de encarar os "passamentos" com naturalidade. Um amigo, por sinal já fora de cena, me contou de uma lista com nomes de umas dez pessoas e seus telefones que tinha numa página de caderno arrancada. O cara não tinha agenda. Nunca teve...

Era só um papel velho guardado numa gaveta perdida. Eis que um dia ao a saber do falecimento de uma dessas pessoas anotadas. Foi lá e riscou o nome. Passou mais um tempo, outro relacionado também se manda e é riscado da lista. E depois mais um. No espaço de menos de um ano, quatro pessoas da lista subiram ao andar de cima. O que o amigo fez? Foi até a gaveta e pegou a agourenta lista e deu um sumiço absoluto nela.

Lá vai uma chalana...
Lorenzo, morreu o Mario Zan. Em novembro de 2006 fui interpelado com essa curta e forte frase por um colega de redação. Meu eu editor de cultura estava com a edição diária fechadíssima. "Meu caderno não é obituário", sai com essa grosseria. (grosserias são naturais numa redação, já que não há tempo para tratamentos mais afetuosos). A redação riu com gosto da minha respostada.

Nanini e Ney Latorraca em "O Segredo de Irma Vap"

Ontem, anteontem, mas não mais do que tresanteontem, vimos que o grande artista Ney Latorraca está muito debilitado. Pensamos até em escrever algo sobre ele, cujo trabalho teatral apreciamos. "Todos os dias tem artista morrendo". Esfriei a pauta. Hoje, também leio sobre a piora no estado do Oscar Niemeyer. Falar de morte requer lembrar de Deus, porém, neste caso, de forma desconfigurada. É que, graças a Deus (olha ele de novo), nossos escritos e nosso porto digital nadam de braçadas na informalidade.


E o tema me lembra palestra que mediei, sobre jornalismo literário, com o Martinas Suzuki e o Daniel Pizza (ausente, hoje). Matinas, atualmente especialista nesse jornalismo liberadão, mas só pra quem pode, mencionou o sucesso dos obituários que já foram registrados na performance da mídia impressa de Nova York noutros tempos. No Brasil tanto nas rádios como nos jornais era um das páginas mais lidas. Quando as cidades cresceram as referências... Que referências? Acho que deixou de ser. E foram-se as palavras. Este texto morreu.



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