segunda-feira, 4 de junho de 2012

Não brinque com comida

Só Suri... 
Um prato de comida é sagrado, neste mundo onde a fome ainda mata e, muito. “Estou morrendo de fome”... frase que todo mundo acaba usando. É o exagero que nos acompanha. E exagero não faz bem na hora do rango. Do ponto de vista religioso, porque a gula é pecado. E também sob na ótica da saúde, porque comida demais é problema. Pense bem: você acha que quem está realmente morrendo de fome, seria capaz de dizer em alto e bom tom – to morrendo de fome!

“A fome boceja, a fartura arrota”, ditado árabe. Mas, arrotar de tanta fartura, “fartô” educação, aqui pra nós. Comer é questão de sobrevivência e é cultural. Sentado no chão, na cadeira, acocorado, em pé... coisa que o bicho homem faz pelo mundão é comer de tudo quanto é forma. Comer deitado, só no hospital. Convalescendo. Porque estamos falando de comida. Diversão e arte são outros quinhentos. Mas, é interessante e têm vezes engraçado reparar no jeito como as pessoas comem e no que elas comem. E observar os bichos se alimentando, idem.

A fome é o melhor tempero (Em busca do ouro)

Charles Chaplin perseguindo uma ervilha num prato é hipnotizante. Cada um tem o seu jeito de comer, fazemos barulhos e silêncios diferentes na hora de tomar uma deliciosa sopa. Sei de um sujeito que dispensava a faca pra encarar um boião e era muito ágil. Estrategicamente ele mantinha a parte lateral do dedão da mão na beirada do prato, como que segurando-o, e, meio disfarçadamente, usava o dedão pra escorar a comida e garantir uma garfada sortida. No quesito higiene, diríamos que fica a desejar, porém, a artimanha resultava numa eficiência impressionante.

Quando a comida tá muito quente, o jeito é ir comendo pelas beiradas. Comer pela beirada é expressão metaforizada. Comer na ambiência rural é outra história. Dois peões famélicos se deleitavam numa mesa farta. Um deles, que aloitava com um osso, a certa altura, julgou que estava perdendo tempo com o osso já bem descarnado. Desistiu do osso e deixou-o na mesa, dizendo: “sai pra lá empaia tempo”. Imediatamente o outro peão se apoderou do osso abandonado: “vem pra cá, divertimento”.

Os velhos tomando sopa (Goya)

Comer com pausinhos – os hashis, requer uma habilidade que combina as artes do origami e do samurai. Comer com colherzinha de plástico daquelas molinha é perigoso. Cada colherada pode ser comida catapultada. “Olha o aviãozinho...” e a colher imita um voo de avião pra atrair a atenção da criança. E o bebê enjoado enrola e enrola e enrola e enrola... Sua mesinha acoplada na cadeirinha, o guardanapo de pano, sua roupa e sua boca estão sujos de papinha. Êta criança enjoada pra comer... Olha o aviãozinho...




Pra essas ocasiões, lembro-me de uma poesia antiga: “Menino luxento você quer empada? – Não, mamãezinha, está muito salgada. Menino luxento você assado? – Não, mamãezinha, está muito tostado. Menino luxento você quer salada? Não, mamãezinha, está muito aguada. Menino luxento você quer pudim? Não, mamãezinha, está muito ruim. Menino luxento você não quer nada? Menino luxento, pois tome palmada.”



Filhotes, humanos ou não, precisam aprender que comida é coisa séria. Mesmo levando bronca dos pais (racionais ou não), demoram pra entender que precisam comer seguindo as regras dos indivíduos da sua espécie. Nós, humanos, inventamos horas supostamente certas pra comer. Estamos presos a cafés da manhã, almoços e jantas. Pras crianças, comer fora de hora pode ser motivo de repreensão. Até parece que os adultos nunca comem fora de hora.

Crianças e bichos, segundo Dalcio Machado




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