sábado, 16 de junho de 2012

Jards

Farrapo humano. Foi o estilo da chegada ao Rio, depois de pegar um voo que saiu as três da matina de Cuiabá, e ainda mofar três horas numa escala em São Paulo, por causa de um maldito nevoeiro que circundou o charmoso aeroporto Santos Dumont, no Rio. Sei não... farrapo humano, maldito, Rio de Janeiro. Palavras que me lembram Macalé.

O Jards. Artista notável do cenário cultural brasileiro, injustamente, pouco conhecido. “Tem um Morcego na Porta Principal” (2008), é o documentário sobre esse autor de pérolas tupiniquins como “Vapor Barato”, “Movimento dos Barcos” e “Pérola Negra”. Macalé é o cara, pode crer.

Desenvolveu parcerias com gente como Torquato Neto, Wally Salomão e Moreira da Silva; produziu o disco “Transa”, de Caetano, quando este tava exilado; e era unha e carne com ícones da arte contemporânea brasileira, como Lygia Clark e Hélio Oiticica. Fez trilhas sonoras, atuou como ator no cinema e no teatro. Pintou e bordou. Aconteceu. E vai saber o que ele anda fazendo atualmente, já que a mídia, no geral, parece desconhecer sua valorosa e provocante arte.



O documentário, dirigido por Marcos Abujamra e João Maciel, passeia livremente pela arte e pela vida de Jards. Impossível não mencionar alguns episódios cômicos em que Macal se envolveu, que são reportados no filme. O episódio da prisão de Macalé durante uma edição do projeto Pixinguinha, nos anos 80, quando seu parceiro de shows era o inenarrável Kid Morengueira, ou Moreira da Silva é coisa demais de hilária.

Parceria com Kid Morengueira

Em outra ocasião, também nos anos 80, o artista foi tomado de uma profunda tristeza, lembrando-se do aniversário da morte de Torquato Neto. E decidiu que também ia partir deste mundo, ligando para vários amigos e colocando a todos em polvorosa. O próprio João Gilberto chegou a telefonar pra Jards e tocou-lhe, ao telefone, a bela “Rancho Fundo”, de Ari Barroso. Mas Macalé estava irredutível. Tinha mesmo que morrer.


Foi muita preocupação em seu círculo de amizade, mas, quem segurou mesmo a barra foi o músico Abel Silva. Nada como um pileque numa hora dessas, de suposta despedida. Já quase amanhecendo o dia, foram tomar a saideira num pé sujo em Copacabana e chega o garçom: “Só tem Brahma”. Abel e Macal se olharam e não apreciavam nada essa marca de cerveja. Mas, ir pra casa sem saideira, nem pensar... E eis que Macalé solta essa: “Putz... beber Brahma vai me dar uma ressaca danada amanhã”. Abel Silva, com seus botões, raciocinou: “Quem está preocupado com a ressaca do dia seguinte, é porque não vai mesmo se suicidar”.


Bom, Macalé é uma figura. Artista precioso, e maldito é a puta que o pariu, conforme ele mesmo diz. Personagem importante da cultura brasileira contemporânea, com suas linguagens, musicalidades e trejeitos sofisticados. É bacana quando um documentário joga luz esclarecedora e coloca na roda um criador que jamais poderia passar batido.


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