segunda-feira, 19 de março de 2012

Tirem as crianças da sala

O primeiro pensamento que chegou quando optamos por escrever sobre o palavrão foi: será que neste imenso mundo, de tantas culturas e línguas diferentes, existe uma única pessoa que jamais proferiu uma palavra de baixo calão? Algo muito improvável. Talvez um monge tibetano, um frade franciscano, aiatolá xiita, pajé isolado... não sei. E que mania essa de pensar que os religiosos são contra essas palavras, vez por outra, insubstituíveis diante de determinadas circunstâncias desagradáveis, ou não, que a vida nos apresenta.

Já houve um tempo em que as palavras chulas eram menos aceitas e as sociedades mais moralistas. Tudo bem, falsamente moralistas. Esse tempo passou, embora, no entendimento de muita gente, o palavrão não é coisa pra sair se dizendo a torto e a direita qualquer hora em qualquer lugar. É por que um puta que pariu, por exemplo, precisa surgir da espontaneidade. Um desabafo incontido. Sim. Mesmo os palavrões, jamais podem ser banalizados. É preciso usá-los parcimoniosamente.




Entre os meus pecados da infância está o de ter dito uma palavra nada bonita, dentro da igreja, justamente no dia em que estava fazendo minha primeira comunhão. Ainda bem que o padre mesmo não ouviu. Mas levei, isso sim, um puta esporro de um menino um pouco mais velho que tinha vocação pra coroinha. Tive que engolir a bronca do garoto e logo em seguida a hóstia. E como criança em tenra idade é bicho meio besta mesmo, ainda fiquei uns dias paranoiado achando que a ira celestial cairia sobre minha cabeça.



Alguns locais são propícios para soltar o verbo com esse palavrório impróprio. O trânsito é um deles. Tem sempre um feladaputa vacilando ou te sacaneando quando você está dirigindo. O xingamento brota em seu cérebro e as cordas vocais vibram louquinhas pra sonorizar o vitupério. E nada de barbeiro, idiota, cretino, babaca... Pra ofender mesmo tem que ser um palavrão ou, numa possível hipótese um pouquinho mais branda, um “disgramado, corno ou viado” (vale pra indistintos sexos).


Bukowski, boca suja

Esporte também é ambiente onde rola a chulice. Futebol, nem se fala! De uns anos pra cá, a televisão adotou a leitura labial pra decifrar o que os protagonistas dizem durante os momentos mais acalorados de uma disputa. Especialistas são acionados para decifrar o movimento dos lábios e traduzir para o público. Mas, engraçado é que quando um palavrão é dito, normalmente, o especialista é dispensável. É que essa grande palavra é dita solenemente sílaba por sílaba, bem redondinha, e pra facilitar ainda é acompanhada por expressão e gestos únicos.

“enquanto durar a vida merde merdre qui tout s´ emmerdera etternellement shit forever scheize immarheit mierda merde Merdre colme a affirmé em Clair ET absolu bon ton Monsieur Jarry pois Heráclito de Éfeso não morreu num monte de merda?...”  (Ricardo Dicke em Cerimônias do Sertão)

E vamos falar a verdade: o palavrão já conquistou o seu lugar nas sociedades. Digam o que quiserem, esperneiem, falem mal, esbravejem, saiam pra porrada e o caralho a quatro: mas eles, os palavrões, são culturais!

Hermes e Renato: du caralho... meu!

Queridos leitores deste blog que de tudo fala ou não. Pense bem. Você que é chegado neste espaço de nome alado, emparentado do pica pau, rolinha, cagasebo, joão pinto...; você que nos lê e sempre retorna, que tem se mostrado cordial e tolerante para com as nossas conversas, diga a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade: seria possível, nos dias de hoje, viver sem o palavrão em nosso vocabulário????      


A puta

Quero conhecer a puta.
A puta da cidade. A única.
A fornecedora.
Na Rua de Baixo
onde é proibido passar.

Onde o ar é vidro ardendo
e labaredas torram a língua
de quem disser: Eu quero
a puta
quero a puta quero a puta.

Ela arreganha dentes largos
de longe. Na mata do cabelo
se abre toda, chupante
boca de mina amanteigada
quente. A puta quente.

É preciso crescer
esta noite a noite inteira sem parar
de crescer e querer
a puta que não sabe
o gosto do desejo do menino
o gosto do menino
que nem o menino
sabe, e quer saber, querendo a puta.
(Carlos Drummond de Andrade)

Nenhum comentário:

Postar um comentário