sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Quem há de dizer

Em meados dos anos 80, conhecemos Arrigo Barnabé com seu instigante e intrigante “Clara Crocodilo”, uma ópera moderna que narra a fuga de  um marginal que passa  a afligir a população de uma “cidade oculta”. As noitadas no bar/gueto “Quase 84” ferviam com o cojunto das vozes destoantes de Arrigo, Tetê Espíndola e Vânia Bastos, regado ao “Sabor de Veneno”. Algum tempo depois, circulando por Copacabana, procuramos por um LP de Arrigo Barnabé. Um atendente ao ouvir o que queríamos, lascou: “É por acaso uma dupla caipira?” Arrigo não era muito conhecido naqueles tempos e nem hoje se pode dizer que é um artista popular.

É difícil rotular a obra de Arrigo. Gostar de sua musicalidade é outra coisa. Erudito? Popular? Contemporâneo? Dodecafônico? Sei lá. Arrigo é tudo ao mesmo tempo. Um artista raro e genial que sorve de inúmeras fontes e tem uma produção muito original. Vanguarda. Qualquer um percebe que sua sonoridade é muito diferente e incomum. Clara Crocodilo, Tubarões Voadores, Arrigo & Paulo Braga são os trabalhos que aplaudimos e babamos quando escutamos. Seu piano sofisticado e estranho, sua voz gutural e o modo teatral de cantar e interpretar seus elaborados versos são sempre bem vindos.


Fecham-se as cortinas.

“Você sabe o que é ter um amor, meu senhor?” Pode ser que não se lembre da música inteira, do nome do compositor... mas certamente já ouviu “nervos de aço”. Lupicínio Rodrigues, sujeito de voz mansa pra falar e cantar. Gaúcho, gremista, que saiu uma única vez na vida de Porto Alegre. Lupe, como era conhecido, foi bedel da UFRS, dono de bares, churrascarias. A boemia foi sua inspiração/maldição causadora de suas dores de amor, a base para criar o gênero de música conhecido como “dor de cotovelo”.   
O que há de comum entre Arrigo Barnabé e Lupicínio Rodrigues, além dos nomes esquisitos? Os versos de Lupe falam de traição, desilusão, abandono, resignação, mas são ternos, na sua voz. Na interpretação de Arrigo eles ganham força, rancor, dramaticidade.




No último final de semana, seguro no comando do controle remoto, zapeando de bobeira, surge de repente na telinha a imensa cara de Arrigo (quase uma máscara) e... paramos. É “Arrigo Barnabé em Caixa de Ódio – o Universo de Lupicínio Rodrigues”, acompanhado por Paulo Braga no piano e Sérgio Espíndola no violão e baixolão, uma co-produção do Canal Brasil e do Nagoma Produções (ai tem o dedo do nobre André Sadi). Isso mesmo: Arrigo cantando Lupe, o rei da dor de cotovelo. Imediatamente, acionamos a tecla “rec”, porque Arrigo é coisa pra se ter com carinho em qualquer bolicho cultural-doméstico, gente boa.


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