terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Pra não guardar segredo

Segredo provém do latim: "secretu", uma forma verbal que significa separado, afastado, retirado, isolado, solitário, oculto, invisível e também um substantivo que significa lugar retirado. Palavra forte. Quando pronunciada quase sempre vem como um sussurro.

Uma história sobre segredo lembra um amigo. Quando chegava pra ele e dizia que ia contar um segredo e que contava com sua discrição, ele, muito zangado, dizia: "se você que é dono do segredo não consegue guardá-lo, por que eu então deveria?". No mundo da ficção, cada vez mais embaralhado com o mundão real, segredo é expressão fetiche. Cabe muito bem em qualquer trama.

Dois filmes que nos conquistaram, têm segredos em seus títulos e roteiros: "Em Segredo" e "Segredos do Coração". Discorrem sobre as complexidades das relações familiares, que podem advir tanto de fatores internos (da própria família), quanto de questões externas. Bonitos, ternos e humanitários. Verdadeiros e grandiosos mostram a coragem de seus autores ao tratar de forma natural temas ultradelicados como o estupro e a pedofilia, sempre mantidos em segredo.


Luna Mijovic e Mirjana Karanovic "Em segredo"

"Segredos do coração" tem a bela Giovanna Mezzogiorno

Têm vezes em que se lê a sinopse de um filme e apenas pelo conhecimento de um tema pesado, ao qual o filme irá explorar, já torcemos o nariz e pensamos: "Hummm... este filme... não quero assistir". Aí perdemos a chance de aprender e apreender algo mais sobre a vida, vida que está sempre se refletindo no cinema. Não passar impunemente por nenhum filme é um projeto de existência interessante para quem deseja educar e depurar seus sentimentos. A arte serve pra isso, além dos encantamentos que nos provoca.


"Em Segredo" (Áustria/Bósnia/Alemanha/Croácia - 2006), direção de Jasmila Zbanic, apresenta uma Saravejo pósguerra com todos os problemas inerentes. Multidões de mulheres que perderam seus homens na estupidez bélica, sendo que muitas delas foram estupradas pelos soldados inimigos. Entre essas mulheres está Esma, que vive solitária com sua filha adolescente, fazendo o possível e o impossível para oferecer vida decente e futuro melhor à filha.



Relação com filhos adolescentes não é mole não. Sobram brigas e/ou faltam entendimentos. A filha de Esma, rebelde, é encrenca e acredita que seu pai foi um herói de guerra, porque sua mãe assim lhe disse. A fotografia do filme, trabalho super elaborado e cheio de significados, é show.

Antes do filme, que rolou na Mostra Internacional de São Paulo, o cineasta brasileiro, Beto Brant, um dos melhores das novas gerações de diretores, fez breve comentário. Ele assistiu ao filme num festival na Europa, sem legendas e mesmo sem entender o idioma, compreendeu a delicadeza da história que poderia ser contada apenas com o trabalho da fotografia, da edição e montagem que são primorosos. A cena final é redentora. Só não contamos o que acontece porque... porque... bem... é segredo.


"Segredos do Coração" (Itália/Inglaterra/França/Espanha - 2005), de Cristina Comencini, mostra a que vem nas cenas iniciais (nos caracteres). Numa casa vazia a câmera passeia pelos cômodos e mobiliário desnudando uma fotografia escura, sombria e bela. Os personagens vão surgindo e as cenas nos transportam para um clima que mais parece comédia. Mas, percebe-se que vem coisa por aí.

Sabina, figura central da história, tem um terrível pesadelo e desperta com a imagem de um homem que se aproxima dela. Os flashbacks que remetem a infância da moça crescem no filme e o enredo vai se desvendando. Uma frase solta aqui e outra ali, ao longo dos diálogos cada vez mais dramáticos, são encaixes de um terrível quebra cabeças que vai se formando.

Um pouco alheios à extensão do drama de Sabina, que parte de um segredo inenarrável, mas sempre solidários; os demais personagens amenizam a vida moça e também a dos espectadores.




Se seu coração tem segredos nos quais nem gosta de pensar, lembre-se que alguns devem ficar cerrados entre quatro paredes, já outros devem ser desvelados. E a vida segue.

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