quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Contos da Era Dourada


Quem conta um conto, aumenta um ponto. Contos remetem à ficção. "Contos da Era Dourada", filme romeno, contraria essa história. São cinco episódios que retratam a decadência da tirania de Nicolai Ceaucescu, ditador da Romênia, com um viés realista e um pé forte, fincado na comédia. A direção geral é de Cristian Mungiu, que escreveu o roteiro e convocou cinco curta-metragistas (Hanno Hofer, Razvan Marculescu, Nstantin Popescu e Iona Uricaru) para que cada um deles dirigisse uma parte. Que beleza... de filme!

Há unidade no filme, embora cada conto nada tenha a ver com o outro, em termos sequenciais, a não ser a atmosfera de fim de um ciclo - o final de um regime político naquele país do leste europeu. Fica a impressão de que não interessa tanto assim, se um governo é de direita, de esquerda, de centro, ou seja lá do que for. Os que estão no poder são tiranos, mimados, hipócritas, mentirosos e têm um séquito de puxa-sacos que adoram maquiar a realidade/verdade, para agradar. Era dourada, uma ova... Essa conversa já era.



A abertura do filme, onde surge a ficha técnica tem um visual incrível, com a câmera descendo escada abaixo, acompanhada pela trilha de um hino ufanista. A narrativa do filme é literária e não é difícil o espectador ter a impressão que está lendo um livro de contos, tamanha a espontaneidade com a qual é trabalhada a carpintaria cinematográfica. Tudo se desenrola de forma natural, embora as sutilezas da linguagem do cinema pontuem o filme inteiro. Não há exageros e sobra o bom gosto de uma estética apurada. O roteiro sugere um tempo de lendas, mas daquelas lendas que trazem dentro de si uma verdade incontestável.


Abre com "A lenda dos vendedores de ar" insinuando o início de uma relação de um jovem casal que vai aplicando golpes inusitados, no nosso ponto de vista. Esse romance é o pano de fundo para que eles tentem faturar algum, simplesmente vendendo garrafas. O casal consegue iludir suas vítimas alegando trabalhar em um órgão público e engarrafam amostras de ar para analisar sua qualidade. Eles pressentem que no futuro próximo terão problemas.

A segunda história, "A lenda do motorista de galinhas", esbarra com um casal numa relação pra lá de desgastada. O homem é motorista, tranporta galinhas, e é tentado, para agradar outra mulher, a ceder-lhe os ovos, que são postos no trânsito com as aves. Ele nada lhe pede e ela nada lhe dá. Mas ele, que surrupiou os ovos, vai pra cadeia.

A terceira, "A lenda da visita oficial", é uma piada. Qualquer semelhança com episódios rocambolescos que vivenciamos aqui no Brasil é mera coincidência (?). Povo é povo em qualquer lugar, em qualquer circunstância. Baixaria é com a gente mesmo! Um pequeno vilarejo se prepara para receber comitiva governamental e isso provoca toda a sorte de arbitrariedades. O mais hilário de todos os episódios.




Em "A lenda do ativista zeloso", um adepto do regime vai parar num lugarzinho fim de mundo com a função de erradicar o analfabetismo. Às voltas com crianças e adultos que se recusam a frequentar a sala de aula, ele fará o possível para não decepcionar o regime de Ceaucescu.

O marketing ridículo que a imprensa oficial - na Romênia e em qualquer lugar do mundo, providencia, para não macular um governo, é o objeto do quarto episódio, "A lenda do fotógrafo oficial". Mais uma bela chance para tripudiar em cima das falsidades e da hipocrisia do poder público. E é isso que o filme faz o tempo inteiro.

"A lenda do policial ganancioso" fecha o filme, narrando a história de um funcionário do regime que tenta mascarar um esquema que lhe valeu um belo porco na véspera do Natal, num tempo de escassez de alimentos. O que ele não contava é que esse porco lhe chegaria vivo, o que significa que ele terá que sacrificar o suíno no seu minúsculo apartamento, tendo como cúmplices seu filho, um garotinho, e a esposa.



O grande destaque de "Contos da Era Dourada" só pode ser mesmo o trabalho de Cristian Mungiu, que nos apresenta um filme de impressionante sobriedade. Ele tem apenas 43 anos e quatro filmes em sua trajetória. Muitos prêmios na bagagem, inclusive, a Palma de Ouro, em 2007, por "4 meses, 3 semanas e 2 dias".  



The End

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