terça-feira, 9 de agosto de 2011

Nicolas Behr, brilho de diamantino

Tudo se transforma em poesia no olhar de Nicolas Behr. O verso simples é catapultado dos  flagrantes cotidianos, que vida a lhe apresenta. A ambiência do cerrado está impregnada em seus escritos e contracena livremente com o contraponto urbano. Nicolas é um poeta contemporâneo amigo da natureza. Sorte das cidades (como Diamantino, Cuiabá e Brasília) que têm um elo perdido/encontrado com este versejador de mão cheia e coração aberto para a vida.  Nicolas é um daqueles poetas que faz a gente imaginar que a poesia é coisa fácil de se inventar. Mas... vai fazer!
Infância é não-lugar
Infância é sitio arqueológico
procura inútil
Infância é perda, remorso
irrecuperável manga

Durante a maior parte de minha adolescência frequentei as margens do Rio Coxipó. Um lugar hoje chamado de Chácara dos Pinheiros. Três tias, irmãs de minha mãe, moravam com suas famílias em chácaras vizinhas nas margens desse rio que cedeu seu nome a toda uma região de Cuiabá. Na primeira metade dos anos 70 o rio Coxipó entrou em minha vida pra nunca mais sair. Hoje... coitado do rio, receptor de grande parte do esgoto da cidade, vítima de agressões ambientais de toda (má) sorte. Nicolas, que tem a mesma idade que eu, também frequentava essas chácaras. Disputávamos um caiaque de fibra de vidro que era de um dos meus tios. Entre sarãs, sinimbus, lambaris, peraputangas, martim-pescadores, bemtevis, figueiras, marimbondos etc desfrutávamos de uma exuberante natureza que, tenho certeza, ficou cravada em nossas memórias.


Ribeirão do ouro
atravessar o ribeirão
pulando entre as pedras é fácil
dificil é tirar aquelas pedras do lugar
viver é tirar pedras do lugar
recordar é tentar recolocá-las de volta

No início dos anos 80 morei quase um ano em Brasília e lá fiquei sabendo da proezas poéticas de Nicolas. Ele foi, talvez, a expressão maior da poesia de mimeógrafo que surgiu no Brasil, como que seguindo a ideologia punk do "faça você mesmo". Já nesses tempos em que a poesia aflorava com força em Nicolas, era possível flagrar sua relação química com o verso. Tudo se desmancha em poesia na vida dessa sujeito. Há um quê de Lavoisier em seu verso, a força maior deste planeta é a natureza; onde nada se cria ou se perde: tudo se transforma.


Eixos que se cruzam
pessoas que não se encontram
Em entrevista ao Diário de Cuiabá, a respeito da expectativa que tem sobre os efeitos de sua palestra, o poeta despachou: "Gostaria que houvesse polêmica, discordância, inquietação, e que algumas perguntas ficassem no ar, que saíssemos de lá com algo interessante na cabeça a nos martelar pelos próximos dias". Imagino que ele tenha se referido ao poder transformador que a poesia exerce nas pessoas. A palestra de Nicolas vai explorar o tema "Literatura e Cidade" e acontece a partir das 19h30 (nesta quarta), no Sesc Arsenal. A entrada é franca, mas é preciso chegar mais cedo para retirar a senha e garantir um lugar.

A cidade é isso mesmo
que você está vendo
mesmo que você
não esteja vendo nada

Em seus versos a gente consegue perceber a completude da proposta da poesia, essa arte que existe praticamente desde que o mundo é mundo, antes mesmo do poder comunicativo do ser humano se concatenar e se tornar linguagem, primeiro na oralidade, e depois na escrita. A poesia de Nicolas nada deixa passar. Seus versos se traduzem em filosofia, lirismo, metáforas, ritmo, sensualidade, forma, rima, não rima, poder de síntese e outras coisas... Bem, essas outras coisas que me fugiram da memória enquanto escrevo estas linhas.

A flor do pequi
às vezes
é utilizada
na confecção de poemas
como este

Depois de dizer tudo isso sobre uma poesia com conteúdo tão vasto, mas normalmente embalada em versos curtos, pode até parecer que há um grau de complexidade nesses versos. Ledo engano. Nicolas verseja absoluto como portador de uma simplicidade rara, daquelas que qualquer poeta persegue durante uma vida inteira, mas, que não se encontra em qualquer esquina da vida. Ser simples no que tem a dizer e dizer muita coisa. Talvez seja essa a maior qualidade do poeta. Bem vindo Nicolas. Faça-se o verso!
A flor sonha
com poléns
e estames
e acorda
toda molhadinha

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