quinta-feira, 10 de março de 2011

Professor Ferraz me ligou dia desses. Está montando um novo coral e me convidou para participar. Sabe que não sou nenhuma especiaria em matéria de soltar a voz, e que apenas pareço fingir que entendo ou não entendo de música erudita, conforme a ocasião. Mesmo assim, me convidou. Professor Ferraz é um sujeito valoroso para as artes e a cultura desta terra, sempre fico pensando. Conheci-o mais de perto quando trabalhamos juntos no departamento musical da Secretaria de Estado de Obras Públicas, coisa de seis, sete anos passados.
Mas já acompanhava seu trabalho com corais de há muito. Sempre atuando garbosamente, muito dedicado e profissional. Uma pessoa distinta, por assim dizer.
Fico pensando no cavanhaque e no bigode do professor Ferraz. Coisas que faziam parte do seu visual, mas que, a gente percebia que ele não investia tanto assim nesses pelos. Pra que...? Já ouvi dizer que cultivar com muito ardor essa história de cavanhaque compondo com bigode é coisa de viado.  
Também me recordo da barriga protuberante de quarentão dele, típica de quem não demonstra grandes amores pelas atividades físicas e ao mesmo tempo toma lá as suas cervejas e exagera no prato. Como estaria, atualmente, a aparência física do professor Ferraz? Mais barrigudo, menos... Com ou sem bigode ou cavanhaque? Não assinalei nenhuma alternativa e apenas me lembrei daquelas questões antigas dos meus tenebrosos tempos de cursinho, quando fui iniciado nos calmantes de pequeno porte, pela minha mãe, por causa de um certo nervosismo que me abateu com a chegada do dia do vestibular. Coisa do passado, definitivamente.  
Ultimamente não fico mais nervoso, a não ser, às vezes, em partidas de futebol. Mas aí me acalmo com as cervejas. Outra história. Nesta hora, o que habita minha cabeça é o convite do professor Ferraz. Eu com essa minha voz que nãos e encaixa direito em tenor ou barítono e que, para piorar, ainda costumava inventar de descambar para o baixo, naipe vocal que sempre almejei. Mas, vamos falar a verdade. O melhor regente que tive em toda minha precária experiência de coralista, foi o professor Ferraz.
Acho que vou encarar essa parada de cantar novamente. Nem que seja só pra conviver com o professor Ferraz e arrebatar mais um pouco do seu conhecimento musical. E me divertir também com seu humor variante.
Em frente a sala do professor Ferraz, naqueles tempos, do outro lado da rua, havia uma loja de roupas femininas... Confecções Benedita. ‘O charme que você precisa’, era o slogan da loja. Calcinhas, sutiãs, corpetes, vestidos, colantes o escambau, tudo a preço de bananinha. E na loja, um aparelho de som furreca urrava praticamente o dia inteiro coisas da Banda Calipso e similares. Enquanto isso, o coitado do professor Ferraz era obrigado a mexer com seus arranjos, suas partituras e pesquisas musicais... Coitado do professor, eu pensava, enquanto ele caminhava pra lá e pra cá, ás vezes, aparentando um personagem acaciano.
E coitado mais ainda dele. É que nestes tempos de suspiros literários, reza a lenda que textos, como o deste pressuposto conto, jamais devem se estender. Leitores se espantam. Fogem. E eu mal tive tempo de caracterizar como desejaria o  personagem destes poucos parágrafos, um sujeito assim meio real, meio de mentirinha. Desculpe, professor Ferraz... As palavras podem parecer poucas, mas vossa senhoria já faz parte do meu imaginário.


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