quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Estômago


Estômago. Nome de um belo filme brasileiro que mostra a pujança da nossa estética cinematográfica, uma produção de 2007. Depois de ouvir inúmeros elogios sobre a obra, finalmente, a gente assistiu. Que primor, que qualidade. Tudo beirando a perfeição. Atores, trilha sonora, fotografia, roteiro... Quando a carpintaria cinematográfica é tão apurada, como neste filme, lógico que por trás de tudo está um ótimo diretor. Marcos Jorge é o nome do cara. Um curitibano que estudou cinema em Roma e, como muitos outros artistas brasileiros, parece gozar de mais reconhecimento fora do Brasil. Vale a pena não apenas assistir  “Estômago”, mas também fazer uma pesquisa sobre o sujeito na internet.


Bom, e por falar de estômago, nesta época do ano aqui em Cuiabá, não tem como deixar de lado um ícone da cultura regional, que encanta o paladar de muitos (apesar de ter gente que odeia), mas que também tem uma força plástica considerável. Falo do pequi. Ou piqui. A origem do nome vem do Tupi: py=espinho e ky=fruto.




Entra ano, sai ano, quando vão chegando os últimos meses, espero o surgimento dos ambulantes vendendo a fruta do cerrado nas regiões mais movimentadas de Cuiabá. E compro. E como. E como como. Já fui meio tarado e inconseqüente com essa fruta. Certa vez, nos meus vinte e poucos anos, almocei uma pequizada daquelas. Eu tinha uma moto e depois da ‘chacina amarela’ fui sair e vi que o pneu da moto estava furado. De estômago cheio de pequi, tive que empurrar a moto até o borracheiro mais próximo. Minino... passei mal mesmo. Aprendi. Hoje em dia, numa sentada, como no máximo vinte frutas. De preferência aos finais de semana, quando é possível dar aquela morgada após a refeição.


Pequizada, perfumando e colorindo a cidade



Arroz com pequi. Ingerido, difícil ser esquecido 

Numa conversa boba com a Fátima demonstrei meu medo de não conseguir estocar a fruta neste ano, como sempre gosto de fazer, para saboreá-la fora de época. Ela me surpreendeu com um vidro da polpa do pequi em conserva. E diazinho passei na casa da Glorinha Albuês para arrematar umas três dúzias da fruta que já estão perfeitamente acondicionadas em meu congelador. Ela tem uma chácara em Chapada onde a fruta tá que tá e me presenteou. Tô bonito. Por falar em Glorinha, lembrei-me de seu documentário, “A Trama do Olhar”, que pesquisa as relações entre a nossa sociedade e a indígena e que, num certo momento, aparece uma índia dizendo que o pequi parece a cabeça do pênis.


Deu pequi
Voltando novamente no tempo, chego aos idos anos onde fui atleta. Praticava quantos esportes fosse capaz. Quando jogava vôlei, na hora de dar o saque, a gente sempre procurava direcioná-lo sobre o jogador do outro time que estivesse num dia ruim. Esse cara, normalmente, era chamado de pé de pequi. Ou pequizeiro.

Na minha infância, quando passava férias no sítio do meu avô, Bento Pires de Miranda, em Livramento, às vezes, ia com a turma que trabalhava lá colher pequi. Quanta fartura. Naqueles anos, enjoado que era pra comer, detestava a fruta.  Ma me recordo da peãozada e da mulherada se atracando com essas pequizadas da vida.



Do vô Bento, já que falei nele, saudades... Ele costumava se deitar num grande e rústico balcão negro que ficava na venda do sítio pra fazer o ‘quilo’. Os povos aqui deste pedaço de cerrado, pelo menos antigamente, sempre tiveram fartura na mesa, independente de classe social. Fartura e preferências. “Não sei como esse povo pode comer batata, se existe mandioca”, vi meu avô dizer certa vez e isso cravou-me na memória.

Todas as vezes que vejo o quadro “Comedores de Batatas”, de Van Gogh,me retorna a velha frase de Bento Pires. Meu estômago, agora, parece que começou a roncar.  Vou deixar as palavras de lado e mexer com outros temperos da vida.   


Intervenção

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