domingo, 28 de novembro de 2010

Lucinda Persona

Lucinda Persona em foto d'além mar
Lucinda Persona é uma poeta primorosa, que se radicou em Cuiabá, vinda de Arapongas (PR). Sua ligação afetiva com esta cidade está acima de qualquer suspeita Ela respondeu as perguntas do Tyrannus, nesta segunda entrevista que a gente emplaca. Faz horas que ela já goza de reconhecimento em nível nacional. Seus livros “Por imenso gosto” (1995) e “Sopa escaldante” (2001) ganharam o Prêmio Cecília Meireles da União Brasileira do Escritores. Além de poeta, Lucinda é também professora universitária. E vamos logo à entrevista...


Que pergunta nunca foi feita e que você gostaria de responder?
Isso é o que se pode chamar de entrada triunfal. Você caprichou nessa questão que, a propósito, nunca me foi apresentada. O problema é que o mais difícil é a pergunta e não a resposta. Por isso, vou pular, mas deixo um lembrete de Mario Quintana: “A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas”.

A Cuiabá de hoje é uma cidade que parece sofrer muito com o desenvolvimento desordenado. Tem gente que é pessimista em relação a isso e acha que a vida por aqui vai só piorando cada vez mais. Você pensa assim?
Nenhuma cidade, com posição geográfica e política importante permanece a mesma. Sim, temos uma Cuiabá nova que brotou e se alastrou no coração da Cuiabá antiga. Isso trouxe problemas inumeráveis, alarmantes, comprovados no dia a dia. Só não se pode pensar que não exista nada a fazer. Acredito muito na consciência humana e na sua força. Acredito no diálogo, tanto com nossos semelhantes quanto com a natureza, a paisagem, a cidade em si, para render resultados positivos.

Como você avalia a qualidade dos políticos e governantes brasileiros e mato-grossenses? Se diria otimista, ou pessimista, após tantos anos exercendo a obrigatoriedade do voto?
De um modo geral, existem bons políticos e maus políticos (sendo que esses, infelizmente, predominam). As muitas crises sucedidas, as patologias sociais e econômicas que se arrastam e se agravam, são elementos que comprovam a pouca eficiência e pouca ação dos governantes. Entretanto, embora tenhamos um quadro preocupante e muitas vezes decepcionante, prefiro ser otimista. Se há algo que não abro mão é a esperança.

Você veio do Paraná para Mato Grosso há muitos anos. A poesia veio com você ou floriu na sua vida aqui?
Costumo dizer nesse caso que a poesia veio comigo desde muito antes do nascimento. Veio de tempos remotos, viajando na espiral genética dos meus antepassados.

Poetas, num determinado momento da vida, são como que picados pelo verso e não conseguem mais fugir deles. Com você foi assim que aconteceu?
Exatamente isso. E esse momento para mim, do ponto de vista cronológico, deu-se bem cedo. Escrevo poemas desde menina e sempre quis ser escritora. É sabido que a poesia pertence ao lado simbólico e mágico do ser humano, um lado que em mim cala bem fundo.

Fale de escritores e poetas, em geral, que te marcaram ou te influenciaram em diferentes épocas da sua vida.
Na infância e adolescência fiquei impressionada com vários autores e obras. Desde “Alice no país das maravilhas” de Lewis Carrol, passando pelos romances de Machado de Assis, José de Alencar, Érico Veríssimo, incluindo Euclides da Cunha com “Os sertões” e Vítor Hugo com “Os miseráveis”. Eu lia mais prosa, mas o que nela havia de poesia tinha grande efeito em meu espírito. Dessa época, cito Cecília Meireles e Luís de Camões (muito usado pelos professores nas aulas de português). Para ser fiel, andei lendo até “A divina comédia”, por volta dos 14 anos. Já na vida adulta, fui gradativa e profundamente conquistada pelos poetas: Fernando Pessoa, Pablo Neruda, Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros, Adélia Prado. Na prosa: Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Julio Cortázar, Albert Camus.

Para fazer versos, alguns poetas precisam de inquietações, de emoções, do experimento de outras artes como a música ou de manifestações do próprio inconsciente. No seu caso, existe um padrão ou situação que te conduz à inspiração?
Creio que a inquietação é um componente que me diz respeito e opera como um ponto de partida. Inquietação com a finitude da vida, com as coisas do mundo, principalmente as comuns. As rotinas me incomodam, tenho uma necessidade de elevar a extraordinário o que é ordinário.

Além de poeta, você tem uma história muito forte como bióloga, pesquisadora e professora. Onde a biologia e poesia se encontram, se é que se encontram? A espermatogênese do tatu peludo pode gerar versos?
Biologia e poesia, em mim, sempre estiveram vinculadas, enquanto destino, proposta de vida e ação propriamente dita. Sim, elas se encontram e formam uma combinação muito grata. Uma ajuda a outra. A biologia permitiu-me o conhecimento dos seres vivos e uma maior penetração nas tramas da história natural. É uma rica fonte de poesia. A julgar pela minha temática (pombos, besouros, libélulas, caracóis) não será difícil surgir algum verso com o tatu.

A internet influencia e está alterando aspectos comportamentais e culturais das pessoas. E o mundo parece estar cada vez mais audiovisual, com toda uma parafernália tecnológica. Tem gente que acha que a literatura – e a poesia, principalmente, - vem perdendo leitores. O que você diz sobre esse fenômeno?
Por um lado, é fato que o universo digital ganha terreno a olhos vistos. Mas, ainda não é possível prever os seus efeitos na literatura. Não creio que a poesia esteja perdendo leitores, ela sempre teve poucos leitores. Além disso, quando vou às livrarias, daqui e de além-mar, vejo a profusão de livros, montanhas de livros, um mar de livros. Isso não morrerá nunca.

Você fez uma viagem à Europa recentemente. O Tyrannus surgiu com uma viagem que a gente também fez com esse destino. O que você trouxe na sua bagagem e quer compartilhar?
Surgindo como surgiu, o Tyrannus faz todo o sentido e se converte num presente para os leitores. Toda viagem é uma aula prática de conhecimentos gerais, desperta ideias e ações. Há pouco tempo, percorrendo Portugal e Espanha, pude comprovar o imenso volume de informações e como é surpreendente este mundo. Tanta coisa na bagagem. Uma delas que compartilho, vem de José Saramago: “O que mais há na terra, é paisagem. Por muito que do resto lhe falte, a paisagem sempre sobrou, abundância que só por milagre infatigável se explica, porquanto a paisagem é sem dúvida anterior ao homem, e apesar disso, de tanto existir, não se acabou ainda”.

Pra encerrar: o que você está lendo ou acabou de ler que recomendaria aos nossos internautas?
Acabei de ler: o romance “Ribamar” de José Castello (e até fiz uma resenha); também li “Em alguma parte alguma” de Ferreira Gullar, trazendo belíssimos poemas. “A duração do dia” de Adélia Prado é outro imperdível. E “Máscaras” de Luiza Volpato.
Estou lendo: “Felicidade demais”, contos da canadense Alice Munro (bom demais) e “Os olhos amarelos dos crocodilos” de Katherine Pancol (esse romance eu trouxe da viagem, entre os vários livros comprados, para aflição do Walter, sempre que provoco esses excessos de peso).

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