segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Fechei os olhos, o leite derramou!

Chico Buarque e a sinuca de bico da hora
Lá se vão quase 20 dias que foi criada na internet uma petição online que deseja a devolução do Prêmio Jabuti de Livro de Ficção do Ano, faturado pelo escritor, compositor e cantor Chico Buarque, com o seu “Leite Derramado”. O motivo do abaixo-assinado, que já reúne mais de dez mil assinaturas, faz sentido, se for seguido um raciocínio lógico. Ora, “Leite Derramado” ficou em segundo lugar na categoria Romance, e em primeiro ficou “Se Eu Fechar os Olhos Agora”, de Edney Silvestre, jornalista, estreante em literatura. É estranho que, depois de ficar em segundo, numa subcategoria, o livro pule para o primeiro lugar na categoria principal.

Uma das argumentações para a petição é a de que a premiação de Chico tem um caráter político e não literário. Pelo que andei lendo a respeito, questões mercadológicas também pontuaram, ou seja: Chico, com toda a sua fama, que, digamos, supera seu talento inquestionável, ‘vende’ mais. O assunto é polêmico, mas saudável. Quando um prêmio como o Jabuti, o mais tradicional da literatura brasileira, torna-se alvo desse tipo de discussão, é sinal que o público leitor, ou supostamente leitor, está antenado. 

Depois da pendenga como será que vai ficar a cara do Jabuti?

O que me preocupa é essa questão mercadológica que está cada vez mais presente na produção cultural, especificamente em produtos de arte como livros e filmes. Se eles não vendem, se não chegam ao grande público, não interessam ao mercado. E aí fica tudo nivelado e vai pras cucuias questões como a vanguarda, os experimentalismos e as linguagens estéticas do porvir. Isso é perigoso e tende a estagnar o surgimento do novo. Artistas ousados, inovadores, quebradores de paradigmas e descobridores de universos criativos mais arrojados são os grandes perdedores nesse processo. E o público também, claro.

Não conheço a obra de Chico. Só li Budapeste e gostei. Mas o estilo do autor, falando dessa obra, em particular, não me pareceu nenhum esplendor literário. Tampouco conheço “Se Eu Fechar os Olhos Agora”, de Edney Silvestre, embora tema que sua narrativa seja jornalística. Há uma enxurrada de obras escritas por autores que são jornalistas e que têm ganhado cada vez mais visibilidade. E são mais vendidas também. Acho isso perigoso, até certo ponto.

A literatura é muito algo mais do que uma narrativa jornalística. Ela precisa transcender a simplicidade do texto jornalístico e se aventurar por diferentes formas de expressão. E tem mais... Literatura não carece de ser fiel à realidade. Sendo arte, não pode e não deve se submeter às regras de uma linguagem presa a padrões e mesmices. E o público leitor tem que ter acesso a essas aventuras da linguagem escrita, com sempre aconteceu em todos os tempos.

O título da obra em questão, reconheçamos, tem tudo a ver 

Não é o mercado quem deve ditar regras para direcionar a literatura. É o artista. Esse ser visionário que escreve movido por motivos às vezes inexplicáveis.  Ser autoral e escrever tendo a liberdade como grande parceira é a sina do verdadeiro escritor. E o mercado, de uma forma geral, deve reservar-se, numa partezinha, que seja, para dissipar as inquietações dos mais autênticos artistas da palavra escrita.

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